O Professor Orlando Grossegesse, da Universidade do Minho, esteve esta terça-feira na EB 2,3/S de Caminha para uma conferência sobre o livro Memorial do Convento (1982), de José Saramago, cuja 1ª edição data de 1982, há trinta anos portanto. Os participantes foram os alunos do 12ºano e muitos professores de Português da escola, entre os quais a professora Cristina Pereira que acompanhou na mesa o conferencista. Lendo por vezes excertos da obra, procurando sempre dialogar com os jovens estudantes, não propriamente a pensar no próximo exame de Português como foi repetindo mas porque ler, nas suas palavras, permite "aumentar a experiência de vida", o Professor Grossegesse apresentou uma leitura crítica da obra saramaguiana que, cremos, o próprio não desdenharia. Comparando a estrutura de Memorial do Convento a uma sonata barroca (como as de Domenico Scarlatti), com três movimentos (de oito capítulos cada) e uma coda final (25º e último capítulo), foram lembradas as palavras de Saramago — "Eu não inventei nada" — para fazer perceber que a construção da história, e as suas personagens, se baseiam em factos históricos e nos relatos de viajantes estrangeiros do século XVIII, mesmo se o autor depois os recria — por exemplo, usando e abusando dos anacronismos — afastando a obra do romance histórico e, diversamente, filiando-a no real maravilhoso (ou mágico) da ficção latino-americana do século XX. Outras influências, menos óbvias, foram entretanto salientadas pelo Professor Grossegesse, como a do dramaturgo português Bernardo Santareno (1920-1980), autor de O Judeu (1966), sobre a vida de António José da Silva, vítima da Inquisição e uma das figuras referidas no final de Memorial do Convento. Porém, as personagens maiores do romance — a "Trindade", como crismou o conferencista — são naturalmente Baltasar Sete-Sóis, Blimunda e o padre Bartolomeu de Gusmão, não por acaso duas delas figuras do Povo que, com algumas outras (como os construtores de Mafra), permitem a Saramago, na leitura do Professor Grossegesse, introduzir uma das várias oposições presentes na obra: a da Família Mateus (o Povo) Vs Família Real; a Passarola (via para a emancipação) Vs Mafra (a pedra do poder); as reais condições de vida dos miseráveis de setecentos Vs a Arte sublime plasmada na estatuária barroca — e o diálogo com as estátuas, recordou, é uma constante na obra de Saramago. No final da palestra, depois de responder a uma questão da plateia, o Professor Orlando Grossegesse recebeu das mãos da aluna do Curso de Artes Visuais, Sandra Laranjeira, uma linogravura da passarola de Bartolomeu de Gusmão da sua autoria. Na mesma ocasião, a aluna ofereceu à Biblioteca a expressiva caricatura de José Saramago que desenhou para o cartaz deste seminário que ficará pois como memória da sua realização e tributo ao grande escritor português.ler mais